segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O corpo sem limites

A minha experiência dentro da Educação somática trouxe muito mais surpresas do que eu poderia esperar no dia em que, audaciosamente, fiz minha matrícula na disciplina do curso de Teatro, sem nem ao menos saber o que significava a palavra “somática”. O que encontrei foi um universo, ou melhor, um corpo – eu, que realmente não esperava existir. Antes que eu possa falar da experiência vivida tanto em sala, quanto no meu dia-a-dia, como reflexo do novo aprendizado, preciso antes explicar o processo pelo qual tive que passar para que eu pudesse conhecer o meu corpo.
Juntamente com as seqüências e exercícios feitos em sala de aula, as leituras me ajudaram a enxergar uma nova concepção de corpo, o qual - como estudante de Relações Internacionais, diferentemente dos meus colegas do curso de Teatro, nunca havia ganhado um olhar mais direcionado. Resumidamente, consegui ver meu corpo como o Eu, e não mais como um abrigo do Eu, o que por si só, já se constitui um valor totalmente contrastante com qual eu fui educada. Além disso, descobri um corpo que não é unicamente um objeto de atração sexual, que não é meu inimigo na balança, que não é fonte de prejuízo de dinheiro com os cuidados de beleza que ele demanda. Eu passei a vislumbrar um corpo não mais em sua totalidade abstrata ou em seu concretismo sem graça, mas sim em suas particularidades, trazendo cada parte dele à tona, fazendo de cada uma delas uma totalidade.
Assim, descobri um corpo sem limites, um corpo cheio de nomes até então desconhecidos, onde cada um deles me possibilita romper com os limites; limites impostos pela dor, pela falta de flexibilidade, ou mesmo pela preguiça e pelo descaso com esse corpo-eu. Com isso, lombares, psoas, escápulas, e cervicais surgem para mim não como forma de entender os meus limites, mas sim para provar que eles não existem, ao menos não na mesma medida que eu havia imposto involuntariamente ao meu corpo como um todo. Concluindo, passei por um duplo processo: o primeiro, como já disse, foi o do descobrimento deste novo Eu, que é o corpo, presente e real; o segundo foi realmente o de estudar, através das seqüências e dos movimentos, cada uma das partes do meu corpo, tentando, primeiramente, entender e sentir, e depois organizar melhor.
Os exercícios e seqüências tiveram dificuldades diferentes e da mesma forma, geraram resultados diferentes. Por um lado, tentar fazer o arco no pé foi extremamente difícil e ainda hoje não consigo manter por muito tempo o “pé de papagaio”. Por outro lado, tiveram experiências que foram marcantes, como quando entramos no saco de pano, enquanto dois colegas faziam movimentos de forma a organizar a coluna. Achei interessantíssimo e fiquei muito relaxada; naquele dia, eu consegui entender realmente qual é a postura certa que se deve manter a coluna, ao perceber a ligação com a posição almejada no movimento e a posição do bebê dentro do útero. Da mesma maneira, o movimento em que um colega segura o outro como se fosse a mãe segurando o bebê ao redor da cintura também ajudou para esse entendimento.
O movimento de relaxamento em que se fica um longo tempo indo de um lado para outro como se estivesse com uma bola de cristal entre as mãos, em um primeiro momento foi bastante exaustivo, até o ponto em que se aprende o movimento, controla-se a respiração, passando-se com isso a um estágio de profundo relaxamento e diminuição da ansiedade, ao menos no meu caso. Outro exercício muito interessante foi um que fizemos em dupla, onde um ficava deitado controlando a respiração, ora através do abdômen, ora através do tórax, enquanto o outro, no momento de expiração, pressionava o peito daquele que estava deitado. Eu consegui sentir a minha caixa torácica se expandido, e a minha respiração ficando cada vez mais profunda.
As principais seqüências, e também mais trabalhadas durante a disciplina, foram as duas do Bertazzo, e que foram as que me proporcionaram um maior entendimento do processo da experiência somática, através do estudo de cada movimento, fazendo cada um deles bem devagar, de forma a investigar se todo o meu corpo estava organizado, onde estava mais sensível ou dolorido, no que eu poderia melhorar, e se todas as partes do corpo estavam na posição desejada.
Fazendo a Primeira Sequência – Bertazzo





O interessante em tirar fotos de mim mesma fazendo as seqüências é que, apesar de a educação somática não usar espelhos durantes as práticas, como uma forma de a pessoa voltar para si mesmo e estudar o seu movimento, foi possível que eu enxergasse alguns pequenos erros no meu movimento, facilitando o aperfeiçoamento. Assim, na sequência abaixo, enquanto na primeira foto minha cabeça e os pés estão levantados, na segunda eles se encontram mais em uma linha reta, ou seja, estão mais próximos da forma correta:



O texto que mais contribuiu para o entendimento da Educação Somática em si foi o da Débora Bolsanello, chamado “Educação somática: o corpo enquanto experiência”. Melhor que isso foi termos lido ele já na metade da disciplina, e assim foi possível entendê-lo por completo e ainda, compreender as práticas feitas em sala de aula. A autora fala que o principal objetivo da educação somática é a consciência do corpo e do seu movimento, constituindo-se em um todo somático. Outro ponto importante abordado por ela é a questão da responsabilização do aluno, sendo que este tem o papel de se comprometer com a recuperação da saúde, através da própria experiência e da percepção, passando a ter contato com as sensações do próprio corpo, e é exatamente isso que vivenciamos em sala de aula.
Particularmente, a aula em que praticamos a técnica Klauss Vianna foi muito marcante. Percebi que ela foge um pouco do que as outras técnicas pregam (a organização com corpo através de movimentos coordenados), dando primazia aos movimentos livres em consonância com uma música de fundo e a atenção para múltiplos focos. Assim, buscamos controlar a respiração, sentir a pele, o calor, os apoios no chão, os vetores causando oposição, a resistência do ar, ao mesmo tempo em que fazíamos movimentos totalmente livres, explorando diferentes níveis – alto médio e baixo. Consegui sentir inúmeras sensações diferentes, como a pele pinicando, o calor de intensidades diferentes dependendo da parte do corpo, os dedos dos pés doendo quando punha mais pressão sobre eles, a música impulsionando o ritmo variado dos movimentos, e eu ali, mais presente do que nunca. Nunca vivi uma sensação tão surpreendente, em que eu conjugava diversas sensações, todas ligadas ao meu corpo, e ao mesmo tempo em que eu estava desligada do mundo, dos problemas e dos sentimentos, eu estava presente naquela sala, presente somente para o meu corpo; eu estava ali para comigo, e nada mais. E da mesma maneira, ao ler o texto do livro “A Escuta do Corpo” de Jussara Miller, foi ótimo entender essa prática através da leitura.
Alguns outros conceitos, totalmente novos para mim, foram de igual importância no despertar dessa consciência sobre o meu corpo, como por exemplo, quando a professora Renata fez a analogia com a alça de um balde, ou usou de vetores para explicar como se deve organizar a coluna, e a postura como um todo. O exercício de sensibilização da pele, dando “tapas” de leve por todo o corpo em um movimento determinado, ora começando de fora e depois indo para dentro, ora o contrário, o “massagear” os pés abrindo espaço entre as articulações, o exercício em dupla em que um trabalha o movimento da cabeça do outro, além de massagear o rosto, despertando essas regiões, o movimento da garça, enfim, todas essas práticas também contribuíram para que a experiência somática fosse de fato uma conscientização do próprio corpo.
O mais interessante de tudo isso, a meu ver, é como essa disciplina influenciou no meu dia-a-dia. Esse “despertar de consciência do corpo” não ocorreu somente dentro de sala, sendo que desde o instante em que acordo, até a hora em que me deito, ele está comigo em vários momentos: ao corrigir os pés para a posição paralela, não cruzar tanto as pernas ao sentar, estar atenta para uma postura correta, lembrando sempre de manter a curvatura natural da coluna, observar mais o meu corpo em seus diferentes pontos, buscando encontrar suas necessidades e organizá-lo, e as duas seqüências do Bertazzo foram práticas que eu incorporei na minha rotina, e que, definitivamente, não estou disposta a abrir mão.



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